quarta-feira, 20 de abril de 2011

Ao compasso da culpa*



Michel Laub é um investigador da memória. Ao contrário da maioria que o faz, porém, não utiliza o texto biográfico como instrumento desse processo. É no romance, terreno literário cada vez mais difícil de delimitar, visto a proximidade conceitual que adquiriu do conto e da novela, é no romance, texto de maior fôlego, portanto que reivindica engenharia mais elaborada, é no romance que Michel Laub esquadrinha a memória. Música Anterior, primeira obra do autor paulista, é um exemplo disso.

Michel Laub usa a memória de um juiz, figura atormentada por arrependimentos e frustrações na vida pessoal e no trabalho, jurista que rumina a culpa de condenar por estupro Luciano, marido estéril que se distancia da mulher com a mesma certeza da inutilidade de seus espermatozóides, familiar incapaz de perdoar o recrudescimento do pai com a morte da mãe e as coincidências que envolvem o irmão caçula e essa tragédia.

E numa prosa anárquica, ainda que numa anarquia muito bem engendrada, numa prosa hermética no formato e minimalista na linguagem, numa prosa que remete ao labirinto borrado que a memória retrataria caso se tirasse uma foto dela, nessa prosa Laub apresenta cada um dos acontecimentos que transformam o juiz em profissional, marido, filho e irmão frustrados. E descobrindo as outras vidas atreladas a esses fatos, a de Luciano, condenado por estupro, a esposa, mulher impedida de exercer a maternidade – ao menos, biológica –, o irmão, culpado pela morte da mãe, o pai, arremedo da pessoa que era quando a família ainda reivindicava quatro pratos, quatro copos, quatro garfos, quatro facas à mesa, o leitor descobre também a incapacidade de alterar cada um desses processos.

Michel Laub é um investigador da memória, mira na memória pessoal para alcançar o todo, o universal. E, pelo menos em Música Anterior, consegue. O juiz tenta perdoar e ser perdoado por cada um dos personagens que cercam sua vida, como se a solução destes imbróglios significasse um bilhete autenticado pela vida para seguir em frente, uma permissão a perseguir a felicidade. O contrário, porém, o não conseguir, a desculpa inalcançável, a conciliação impossível, gera o estático, imobiliza, proíbe o avanço. Na anarquia organizada de sua prosa, Laub investiga as culpas e frustrações que carregamos por toda a vida; e, sobretudo, os mecanismos afetivos que desenvolvemos para remediá-las.





*Duas vezes por mês, a Memória encontra eco na Arte aqui no Blog. Duas vezes por mês, o projeto Nossa Comunidade tem História dialoga com alguma manifestação artística que tenha na Memória um de seus temas centrais.

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